Autora: Fernanda Abreu
Você sabia que quatro em cada dez casais brigam por causa de dinheiro?¹ Em dezembro/2021, o número de famílias endividadas no país alcançou 76,3%, sendo o maior patamar da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), iniciada em 2010.2
Sabia que 57% dos divórcios realizados no Brasil na última década foram motivados, na visão dos entrevistados, por problemas financeiros?3 Em seguida, aparece a rotina e a falta de tempo como principais causas das separações conjugais.
São dados que preocupam. Sabemos que a relação dos casais mudou consideravelmente ao longo dos anos. Hoje, muitas mulheres não dependem mais financeiramente dos maridos e vice-versa; geralmente os dois trabalham fora e têm seus salários. Com isso, quando estão diante de grandes conflitos e desgaste da relação, alguns casais terminam optando pelo divórcio. Muitos se queixam de que um gasta mais do que o outro e não conseguem conciliar os salários. Em alguns casos, o marido chega a ficar com a autoestima abalada porque a esposa tem um salário maior do que o dele e por aí vai. Então, finanças para casais realmente é um assunto importante a ser tratado na sociedade.
Por que para um casal é tão desafiador administrar as finanças?
O casamento é feito por dois seres humanos, que possuem histórias de vida diferentes, com opiniões diferentes, cada um com seus problemas, angústias e desejos pessoais. Então é natural que também tenham prioridades e objetivos distintos e está tudo bem; não há problema algum nisso. Contudo, mesmo com necessidades distintas, para a prosperidade da relação é fundamental que o casal esteja bem alinhado sobre:
- os objetivos individuais,
- os objetivos em conjunto,
- as prioridades
- o que cada um irá se comprometer para alcançar esses objetivos.
Se o casal não estiver bem alinhado em relação a esses quatro quesitos, os conflitos certamente irão prevalecer na relação.
A harmonia entre os pensamentos nem sempre é possível e nem é desejável, mas é preciso partir do princípio de que a união existe pelo bem comum.
É importante também lembrar, que ainda hoje, a maioria dos pais não conversam sobre objetivos e planejamento financeiro com os filhos. Podemos até afirmar que existe um tabu sobre falar de dinheiro. Por não se ter o hábito desde a infância, se torna algo tão íntimo que parece ser um “assunto proibido” de se falar. Nesse contexto, quando se relaciona com alguém, seja através do namoro, casamento, amizade, etc, mesmo que de forma não intencional, se replica aquilo que viu seus pais fazendo, que você vivenciou ao longo da sua vida e vai passando de geração a geração. Entretanto, isso é totalmente possível de mudar quando o casal toma a consciência de que evitar ou não conversar sobre assuntos importantes, como dinheiro, atrapalha a relação e pode gerar muitos conflitos.
Quais são as principais consequências desses conflitos?
Desequilíbrio financeiro da família, doenças, divórcio, etc… Muitos casais que se separam atribuem a separação aos conflitos decorrentes das dificuldades financeiras, mas não se atentam que a raiz do problema nunca é o dinheiro. O dinheiro não é o vilão da história. Não é a falta do dinheiro que traz conflitos e separações, mas o fato do casal não ter uma boa comunicação e não compreender que as diferenças entre eles sempre existirão. É necessário lidar com as diferenças com amor, empatia, respeito e diálogo. Inclusive, contribui para o crescimento de ambos.
E qual é a solução para o casal que deseja administrar melhor as suas finanças?
Antes de tudo, é essencial exercitar o diálogo de forma clara e franca, além de um momento diário ou semanal para o casal conversar. Como você aprendeu a andar de bicicleta? Andando de bicicleta. Lembra que você começou com as rodinhas? Depois tirou as rodinhas e com o apoio de alguém começou a se equilibrar, algumas vezes caiu, se levantou e continuou tentando, até que finalmente você aprendeu a andar de bicicleta. Isso se replica a tudo na nossa vida. No início do exercício do diálogo, as primeiras conversas nem sempre serão muito animadoras. Tenha paciência. Com a prática e resiliência tendem a melhorar.
Em seguida, iniciem a preparação do planejamento financeiro do casal. Quando duas pessoas resolvem partilhar a vida, elas também estão juntando suas contas, ganhos e planos para o futuro. Por isso, o planejamento financeiro deve ser tratado com prioridade para aqueles que querem ter um relacionamento duradouro e próspero. A ideia é usar o dinheiro de maneira estratégica e coerente em linha com os objetivos e prioridades do casal, buscando a prosperidade familiar. Então, realizar um bom planejamento pode ser o que irá definir se vocês conseguirão dar a melhor condição de vida para a sua família no longo prazo, ou se vocês terão que realizar grandes sacrifícios para pagar dívidas.
Principais passos para fazer um bom planejamento financeiro familiar
Passo 1: Levantar o fluxo de caixa mensal de entradas e saídas de caixa da família para entender a situação financeira atual.
Como planejar o futuro sem saber para onde o dinheiro está indo? É necessário entender como está a situação financeira do casal. Ambos os parceiros precisam conhecer o quanto e como estão gastando, e melhor, quanto podem gastar todos os meses para se manterem dentro do orçamento e quais gastos excessivos podem colocá-los em uma situação de endividamento.
Passo 2: Definir juntos os objetivos de curto, médio e longo prazo pessoal e do casal.
O que vocês querem conquistar juntos? O que querem conquistar individualmente?
Preencher uma planilha é muito mais fácil do que ouvir, conversar, questionar, arrepender-se, pedir desculpas, agradecer, elogiar e criticar. Planejamento financeiro de casal é lidar com as diferenças de forma a viver melhor e com mais qualidade de vida, sem atalhos.
Primeiro, removam barreiras de atitude e comportamento que impedem vocês de conversarem de forma sincera, aberta e honesta. Só depois de estabelecer a confiança e o respeito é que a realidade deve ser discutida de forma prática.
Em seguida, decidam juntos o que faz sentido para os dois, de forma que beneficie ambos. Nada adianta fazer um planejamento financeiro onde somente um dos integrantes será beneficiado.
Sinceridade é a palavra-chave. Compartilhem desejos individuais, bem como o que consideram gastos importantes e o que não gostariam de abrir mão. Ao mesmo tempo, apresentem o que estão dispostos a cortar de supérfluo, para que consigam focar no objetivo em comum, como por exemplo: a compra de um imóvel, o pagamento da faculdade de um filho, a viagem a dois, a troca do carro, a realização de uma pós-graduação,a transição de carreira, entre outros.
Ter metas financeiras em conjunto ajuda não só na organização das finanças e o planejamento do futuro a dois, como também fortalece a própria relação. Casais honestos constroem relações mais estáveis, já que não há segredos e os objetivos (individuais e em conjunto) são bem definidos.
Passo 3: O que estão dispostos a fazer para alcançar os objetivos? Registrar o que cada um se comprometeu a fazer.
Como será a dinâmica da casa? Definam como será a administração das finanças no dia a dia.
Um dos dois vai cuidar das contas e investimentos ou vão adotar um gerenciamento compartilhado? Pensem nas habilidades de cada um.
As despesas serão unificadas e divididas; cada um vai se responsabilizar por determinados gastos ou ainda, pagar proporcionalmente, de acordo com o salário que recebe? Qual será a contribuição de cada um? É importante tratar das finanças no casamento como uma forma de construir pontes até os sonhos, que o casal trabalhe junto, que remem para um só lado, unindo forças em busca de um bom desempenho. Independente se ambos trabalham e possuem renda, é fundamental definir qual será a contribuição de cada um para as despesas comuns da casa e para os objetivos pessoais e do casal.
Vão adotar uma conta corrente conjunta e um cartão de crédito para os dois ou cada um cuidará das suas movimentações? Se decidirem agregar, isso exige maturidade e acompanhamento, sobretudo se um dos dois se excede, faz algum gasto desnecessário e tal comportamento provoque conflitos, com um jogando a culpa e a responsabilidade no outro.
Uma opção para controlar os gastos é estipular um valor para os passeios e lazer do casal. É interessante que o casal adote também uma espécie de “mesada” para cada um dos parceiros, em que mantenham a sua individualidade também em relação a dinheiro, sem a necessidade de prestar contas um ao outro a cada gasto feito.
Não existe modelo ideal. O importante é ser algo que faça sentido para ambos e que contribua para o equilíbrio das finanças do casal.
Passo 4: Separar um valor mensal para investir no início do mês.
Quanto vão economizar mensalmente? Como e onde vão investir o dinheiro economizado?
É preciso unir as finanças no casamento aos investimentos. Buscar modos de fazer seu dinheiro render é essencial para que vocês cheguem mais longe e realizem os objetivos.
Uma das certezas que temos na vida é que imprevistos acontecem com todas as pessoas e conosco não é diferente. Não há sensação pior do que um acontecimento inesperado que nos pega de surpresa, sem nenhuma previsão. Ninguém está livre de uma perda de emprego, de um problema de saúde, de uma geladeira que para de funcionar do dia para a noite. Alguns imprevistos podem representar grandes gastos, dificultando o dia a dia da família.
A melhor forma de lidar com imprevistos é se antecipando a eles. Daí a importância de se construir uma reserva de emergência que seja capaz de cobrir financeiramente os acontecimentos inesperados que chegam, evitando assim a necessidade da tomada de um crédito com juros altos, por exemplo.
Passo 5: Acompanhar os resultados em conjunto e revisar o planejamento financeiro periodicamente.
Para que seja bem-sucedido financeiramente, o casal precisa atuar em conjunto, participando ativamente das finanças da família. Acompanhar pelo menos mensalmente os resultados e revisar, no mínimo, anualmente o planejamento financeiro do casal, fazendo os ajustes necessários. Lembrem-se sempre de que duas cabeças pensam melhor do que uma.
Em resumo, as finanças para casais vão além de administrar o fluxo de caixa de entradas e saídas. É preciso agir em conjunto, poupar e investir o dinheiro para atingir objetivos comuns, mas sem esquecer do individual. Não envolve somente matemática, mas também emoções e crenças enraizadas. Por isso, as conversas devem ser francas e honestas.
Se por um lado a falta de diálogo e transparência sobre dinheiro pode destruir um relacionamento, por outro conversar e cuidar do dinheiro em conjunto é um importante meio para a prosperidade da relação.
Se as coisas não andam bem, não se desesperem e nem ignorem a situação; iniciem o exercício do diálogo, procurem estar calmos e em um ambiente tranquilo, livre de pressões, para que a conversa seja leve e produtiva.
Depois, apliquem os 5 passos para elaborar o planejamento financeiro do casal e transformar a relação da sua família e as finanças. Com respeito, diálogo e parceria, é possível driblar obstáculos e realizar os sonhos de vocês.
Se precisarem, contem com ajuda profissional. Acreditem: a vida a dois pode ser bem mais prazerosa se o casal conversar e organizar juntos as finanças. Tentem, nunca é tarde para começar!!
Sobre a autora: Fernanda é voluntária da Bem Gasto, consultora e trabalha com finanças corporativas há mais de 15 anos. Se formou em Ciências Contábeis e concluiu mestrado em Administração e Controladoria. No tempo livre, Nanda gosta de ir à praia e viajar com o marido.
¹ Pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
2 Pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
3 Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).