Foto de uma mulher sentada no chão com as pernas cruzadas. Em seu colo há um notebook cinza. Ao lado da mulher há uma montagem com um gráfico tipo pizza e um outro de coluna.

A MULHER NO MERCADO FINANCEIRO: Atuação histórica das mulheres em investimentos

Autora: Gabriela Lima

Historiadores modernos raramente reconhecem que as mulheres eram investidoras financeiras antes do século XX. No entanto, um estudo da Inglaterra do século XIX apresenta diversos grupos de mulheres investindo por renda, crescimento de capital ou participação nos negócios da família. Janette Rutterford e Josephine Maltby, expuseram fontes contemporâneas, incluindo registros de ações e consultores de investimentos, os quais mostram que as mulheres de fato eram ativas no mercado, e com graus variados de sucesso. Foram encontrados registros de mulheres que compravam e vendiam ações para ganho de capital, e um grupo, aparentemente maior, em busca de uma fonte de renda onde optou por ativos financeiros que apresentavam menor risco e retorno seguro.

Argumenta-se que uma razão para a existência do grupo de investidores femininos é o desenvolvimento de novos ativos financeiros no século XIX. Outra é a existência de diferentes grupos de mulheres com desejo ou necessidade de investir. Isso incluía mulheres ricas que tinham controle sobre suas fortunas, bem como um grande grupo de mulheres solteiras que precisavam da renda dos investimentos porque não podiam ou não queriam se sustentar com um emprego remunerado. Com efeito, no final do século XIX, a atividade de investimento das mulheres era tal que certos ativos financeiros eram concebidos explicitamente para as mulheres, como é o caso das ações ”A” do Barclays (banco Britânico), que era reservadas para as filhas de ex-parceiros porque não era adequado que as mulheres detivessem ações com responsabilidade sobre elas. Isso tudo em uma época em que as esposas só ganham os mesmos direitos de propriedade de mulheres e homens solteiros, em 1882.

Em sua pesquisa, Rutterford e Maltby expõe que as mulheres desempenharam um papel importante no desenvolvimento de uma cultura de investimento no período; como exemplo, em 1840, 40% das ações do governo eram detidos por investidores do gênero feminino. Além de uma participação em uma ampla gama de títulos – domésticos e estrangeiros, ações e debêntures.

Embora as mulheres detivessem menor participação no mercado do que homens, as escolhas de investimentos delas parece ter sido tão diversificado quanto a deles. “O gênero, de fato, fez pouca distinção quando se tratou de considerar um investimento ou especulação; qualquer diferença que pudesse ser demonstrada provém mais de temperamento ou preconceito do que qualquer outra razão” (RUTTERFORD e MALTBY, 2006, p. 132)

Primeira mulher investidora no Brasil:

Para quem não sabe, a primeira investidora Brasileira foi Eufrásia Teixeira Leite, que nasceu em Vassouras no interior do Rio de Janeiro em 1850. Eufrásia investiu o patrimônio deixado por seu pai, por 55 anos em 17 países e em 9 moedas diferentes. Isso tudo em uma época que as mulheres não tinham direitos civis básicos. Não podiam votar, nem dirigir. Cursar uma faculdade ou trabalhar só era possível com o consentimento do pai ou marido.  Era um período em que elas nem mesmo podiam circular dentro de bolsas de valores.

Segundo a pesquisadora Mariana Ribeiro, em 1873, com o falecimento dos pais, Eufrásia e sua irmã, Francisca, herdaram o patrimônio da família. Após o ocorrido, as irmãs decidiram partir para a cosmopolita Paris. Na viagem, de navio, Eufrásia conhece o abolicionista, Joaquim Nabuco e desembarca noiva na Europa. Uma relação de 14 anos (de acordo com a troca de cartas), a qual não houve casamento. Sendo que um dos impasses para o matrimônio, era manter o nome e o controle sobre seu próprio patrimônio, além da sua liberdade. O que não seria possível em um casamento no Brasil, como era estipulado por lei na época.

Com uma educação influenciada pelo pai, que possibilitou adquirir conhecimento, principalmente, em economia, aplicação de capitais e matemática financeira, na França, Eufrásia põe em prática seu conhecimento e inicia sua impressionante trajetória no mundo dos investimentos multiplicando a herança deixada pela sua família. Foram investimentos em diferentes setores espalhados pelo mundo montando uma carteira de investimento diversificada e bastante complexa. Entre suas ações de destaques estão a Companhia Antarctica Brasil, que se tornaria a Ambev; Setor ferroviário, tendo papéis da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro e Cia. Paulista de Estradas de Ferro; Setor de tecelagem com ações da Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira e da Companhia América Fabril & Cia, além de investimentos em produção de petróleo, energia elétrica, bancos estrangeiros e outros. Além de ações, Eufrásia também investiu em títulos de dívidas públicas de governos, moedas e debêntures.  Segundo registros, seu patrimônio final acumulava ações de quase 300 empresas diferentes em todo o mundo.

Como as mulheres não tinham autorização para atuar na compra e venda de ativos de forma direta, na bolsa de Paris, por exemplo, Eufrásia realizava esse feito por intermédio de seu operador, Albert Guggenheim, e assistia aos pregões e emitia suas ordens, do segundo andar do prédio.

Assim sendo, mesmo que tenha tido base familiar, Eufrásia conquistou resultados extraordinários investindo por conta própria. Ela viveu da renda de seus investimentos e teve sabedoria para realizar a tão indicada, hoje, diversificação com um portfólio de títulos e ações de diferentes setores e países. Além disso, demonstrou independência sendo fiel aos seus próprios desejos, focou nos estudos para aprimorar conhecimento necessário para alcanças seus objetivos, e, por fim, demonstrou uma importante visão de longo prazo pois as empresas alvo de seus investimentos, em sua maioria, eram voltadas a serviços e produtos essenciais. Isto é, setores resistentes às crises, de estrutura sólida para atravessá-la e apresentar resultados importantes do longo prazo.

As mulheres investidoras na atualidade:

Atualmente, as investidoras brasileiras têm diante de sí um cenário diferente daquele enfrentado por Eufrásia. Muitos direitos foram conquistados ao longo de décadas. No entanto, há ainda desafios de ordem econômica e sociocultural que as mulheres precisam superar, para se consolidarem com grandes investidoras.

Apesar disso, existe uma movimentação positiva em curso. Conforme um levantamento feito pela 5ºEdição do Relatório Raio X do Investidor Brasileiro – ANBIMA, em 2022, foi observado que as mulheres apresentaram crescimento nesse meio, especialmente, na Bolsa de Valores Brasileira (B3). Em 2021, o quantitativo de CPF de mulheres registrados na B3 atingiu o número histórico de um milhão. Um artigo publicado pelo New York Times afirma que, mesmo ainda sendo um mercado muito masculino, as mulheres têm apresentado melhor performance do que os homens. E esse potencial feminino, já é conhecido no mercado financeiro, no entanto, esse é um fenômeno que tanto os homens como as próprias mulheres desconhecem e acabam se privando de lições as quais ambos podem se beneficiar.

Comportamento das mulheres em relação aos investimentos

De acordo com a pesquisadora Adriana Campêlo, no âmbito comportamental, as mulheres são investidoras menos impulsivas, ou seja, elas procuram analisar os fatos mais detalhadamente antes de tomar qualquer decisão. A volatilidade é uma das principais características do mercado de ações e, a nível de comportamento, os investidores acabam agindo por impulso e tendo prejuízos financeiros. Contudo, os dados mostraram que a tendência das mulheres é não reagir a flutuações do mercado da mesma forma que os homens.

Além disso, de acordo com a pesquisa feita por Campêlo a população feminina tende a acessar a sua carteira menos de 3 vezes por semana, contra 5 vezes semanais dos homens. Isso mostra uma inclinação delas a manter por mais tempo os seus ativos, gerando maior consistência e performance ao longo do tempo. Enquanto os homens, em busca de maiores lucros, tentando acertar o melhor momento do mercado, podem obter mais perdas do que ganhos.

Ademais, as mulheres tendem a assumir menores riscos ao investir. Elas são consideradas mais prudentes ao estudar e buscar conhecimento antes de agir. Campêlo cita a teoria da economista Irene Van Staverem, que argumenta a questão das diferenças de comportamento entre homens e mulheres a partir da relação de hormônios como o estrogênio, ocitocina e testosterona, sendo os dois primeiros mais presente nas mulheres, enquanto o último, mais presente no sexo masculino.  

Conforme a Economista, a testosterona, mais presente nos homens tem a propensão de elevar o comportamento de risco e, por causa dele, o cortisol tende a ser maior nos homens o que pode ser um dos fatores que explicam a volatilidade do mercado, lugar ainda dominado pelo público masculino. Enquanto o retorno da ocitocina ao cortisol pode ser um dos possíveis coeficientes capazes de explicar maiores ganhos das mulheres quando comparadas aos homens em gestão de patrimônios, carteiras pessoais e outros.

A pesquisadora considera que, embora possam ser considerados esses elementos biológicos, a diferença ainda é pouco substancial, e atenta para a consideração de crenças em condutas estereotípicas, normatizados por meio de vieses como, exemplo, o viés de aversão a perda ou o excesso de confiança.

Por fim, Campêlo afirma que as mulheres além de poupadoras disciplinadas, admitem o quanto uma poupança de emergência é importante para evitar potenciais perdas ao liquidar investimentos sem planejamento. E esse é um dos pontos importantes a se aprender com o universo feminino. Mesmo, em sua maioria, com níveis salariais inferiores, a tendência é de a mulher poupar mais do que os homens. De acordo com a pesquisa, em 2017, essa diferença chegou a 0,4%.

Com isso, entende-se que planejamentos realistas, estudos e conhecimento sobre o mercado, prudência, paciência e conhecer seu próprio temperamento são o que pesquisas sobre o comportamento das mulheres no mercado financeiro tem demonstrado. Além disso, uma carteira sólida e estável, mensurar riscos, tranquilidade durante as negociações em momentos de volatilidade e pensar a longo prazo, mostraram ser alguns dos pontos fortes das mulheres, responsável pelos seus retornos financeiros significativos, que devem ser usados como exemplo para atuar no mercado financeiro.

REFERÊNCIA:

Ribeiro,Mariana. “A primeira investidora:  conheça a brasileira que ficou bilionária no século 20. Entrevistada: Mariana   Ribeiro. Entrevistadora: Ana   Carolina   Siedschlag.”. Canal do YoutubeInvesting.comBrasil [2021]. Disponível em: <https://youtu.be/LVuDfUtBfFg >. Acesso em: 08/02/2023

Campêlo, Maria Adriana. “Mulheres no Mercado de capitais: como investem e o que podemos aprender com elas”. 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/investidor/pt-br/penso-logo-invisto/as-mulheres-no-mercado-de-capitais-como-investem-e-o-que-podemos-aprender-com-elas >. Acesso em: 09/02/2023

Rutterford, Janette; Maltby, Josephine. “The Widow, The Clergyman And The Reckless”: Women Investors In England, 1830—1914. Feminist Economics, v. 12, n. 1-2, p. 111-138, 2006.

Gabriela é voluntária da Bem Gasto, economista e mestranda em economia. No tempo livre gosta de ler, viajar, encontrar os amigos e ver bons filmes

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