Dinheiro e tempo

O que são debêntures?

Autor: Ramon Diego Santos Bodê

Já ouviu falar em debêntures? O nome é esquisito, mas é mais simples do que parece. No final do artigo você se sentirá mais confortável e talvez até cogite adicionar as debêntures ao seu portfólio de investimentos.

Conceito

Vamos começar a entendê-las por algo que é mais familiar que são os empréstimos! Imagine a seguinte situação: você precisa de um dinheiro que não tem disponível para realizar um projeto pessoal. Com isso, procura uma instituição financeira e solicita um empréstimo; essa instituição faz uma avaliação do seu crédito e se for aprovado você receberá o dinheiro se comprometendo a pagar de volta:

  • O valor emprestado com juros
  • Em parcelas
  • Até uma data específica

Com o passar do tempo você realiza direitinho os pagamentos (acompanhe os posts do Bem Gasto e faça um bom planejamento financeiro) e quita sua dívida, ficando livre das obrigações.

Essa dinâmica é bem conhecida de todos nós, não é? Nada fora da nossa realidade.

Agora imagine um cenário diferente, mas muito semelhante: uma empresa precisa de dinheiro para financiar seus projetos, mas em vez de pedir ao banco, ela vai até o mercado financeiro e pede esse valor para os investidores, se comprometendo a pagar as parcelas nas datas combinadas e devolver o valor aplicado com juros.


Pronto, isso é uma debênture: um investimento representativo de uma dívida de uma empresa, que deve ser pago aos seus investidores com juros até uma data específica (a data de vencimento).


O conceito é simples! Para fecharmos só precisamos de mais alguns detalhes:

(1) debêntures são emitidas apenas por empresas não-financeiras que sejam sociedades por ações

(2) a função delas é financiar projetos de médio e longo prazo.

Quais são os tipos de debêntures e o que devemos nos atentar?

Quando falamos de um empréstimo, dá pra ser bem criativo. Por isso nos concentraremos nos tipos mais comuns e que você provavelmente vai encontrar no seu caminho de investidor, realçando as características principais que você deve conhecer.

1. Tributação (Imposto de renda)

No que diz respeito a imposto de renda sobre os ganhos, você pode considerar duas categorias de debêntures: as incentivadas e as não incentivadas. As debêntures incentivadas foram criadas pelo governo para estimular o desenvolvimento da infraestrutura do nosso país – saneamento, portos, aeroportos, rodovias, transmissão de energia elétrica, etc. – por isso também são chamadas de debêntures de infraestrutura. Os papéis incentivados são isentos de imposto de renda, o que é um grande atrativo e fez com que se tornassem as preferidas dos investidores.

As debêntures tradicionais (não incentivadas) são tributadas pela tabela regressiva do imposto de renda, de acordo com o prazo do investimento e não estão ligadas a projetos de infraestrutura. Elas são menos negociadas pelas pessoas físicas e mais negociadas pelos investidores institucionais (fundos, seguradoras, planos de previdência).

2. Pagamento das parcelas: juros e amortização

Após a emissão da debênture aos investidores, as empresas devem realizar os pagamentos de juros e amortizações, conforme o cronograma acordado no documento chamado escritura de emissão. É comum que estes pagamentos sejam feitos semestralmente ou anualmente e podem ser compostos de juros, amortização ou dos dois.

  • Os juros são a rentabilidade contratada pelo investidor;
  • A amortização é a devolução do valor emprestado atualizado.

Em sua maioria, as amortizações ficam para os períodos finais da debênture e os juros são pagos desde o começo.

3. Rentabilidade

A legislação do mercado de capitais permite que as debêntures paguem a rentabilidade aos investidores com base em uma variedade de taxas de mercado existentes, mas a maioria que você vai encontrar será ligada à inflação ou à taxa de juros.

As debêntures que pagam inflação entregam para o investidor o IPCA (principal índice de inflação do consumidor) + uma taxa adicional, para garantir que além da atualização pela inflação o investidor também tenha um ganho real.

Já as debêntures de taxa de juros pagam a taxa CDI + um adicional ou um percentual da taxa CDI.

4. Risco de crédito

A maior preocupação de quem empresta dinheiro é o risco de tomar um calote e ver seu dinheiro sumir. Para medir esse risco, quando são distribuídas ao público, as debêntures passam pela avaliação de uma empresa especializada chamada agência de rating, que dá uma nota para a debênture de modo que os investidores possam entender melhor o risco que estão correndo de não receberem seu dinheiro de volta (chamamos isso de default).

As notas dadas pelas agências de rating variam de AAA (melhor nota) até C ou D (default), sendo que BBB é um risco médio. Os títulos com maior chance de não pagar os investidores são mais arriscados e acabam oferecendo retornos mais interessantes a quem estiver disposto a aceitá-los. Vale o alerta: ao encontrar uma debênture com uma taxa de retorno muito acima de outros investimentos, pesquise sobre o risco dela ou você pode acabar tendo muitas dores de cabeça.

Outros riscos importantes, aos quais você deve se atentar:

  • Risco de mercado: as debêntures são negociadas todos os dias e o preço delas pode variar para mais ou para menos. Conforme os dias passam, elas não são investimentos interessantes para uso no curto prazo, dado que os preços podem variar negativamente;
  • Risco de liquidez: o mercado de títulos privados (debêntures e outros) ainda não é tão conhecido das pessoas físicas quanto o mercado de ações. Isso significa que as negociações de debêntures exigem valores maiores e os investidores podem ter dificuldade de se desfazer de uma aplicação rapidamente se precisarem do dinheiro de volta.

5. Garantias e Proteção dos investidores

O que acontece quando a empresa não paga as parcelas de juros e amortização? Quais garantias o investidor tem de que o combinado na escritura de emissão será cumprido?

Durante o processo de emissão (criação) de uma debênture, aparece um participante cuja função será a de responder diante dos investidores por tudo o que diz respeito ao título: garantias, cronograma de pagamentos de juros e amortização, documentação, votações e tudo que envolver a vida da debênture. Esse participante é chamado de agente fiduciário e tem o papel de proteger os interesses dos investidores diante da empresa emissora.

Dentre as responsabilidades do agente fiduciário, está o acompanhamento das garantias da debênture, que estão estabelecidos na escritura de emissão. Essas garantias podem ser:

  • Reais: quando um bem da empresa é vinculado aquele investimento, sendo separado para essa função;
  • Flutuante: quando há direitos sobre os bens da empresa, mas sem especificar nenhum;
  • Quirografária: sem garantia; uma dívida comum;
  • Subordinada: última na fila de pagamentos, na frente apenas dos sócios da empresa

Havendo necessidade, o agente fiduciário exige a execução das garantias visando reaver os recursos dos investidores. Felizmente, isso é uma situação rara e as debêntures negociadas junto ao público são em sua maioria de boa qualidade.

Vantagens e desvantagens de investir em debêntures

Quando bem realizado, o investimento em debêntures tem vantagens interessantes:

  • Isenção de IR nos lucros (para papéis incentivados)
  • Proteção contra inflação (para papéis ligados ao IPCA)
  • Segurança (para papéis de bons ratings e de boas empresas)

Como nem tudo são flores é importante se atentar a:

  • Baixa liquidez: muitas debêntures são pouco negociadas, sendo difícil comprá-las ou vendê-las a qualquer momento;
  • Prazo de investimento: são investimentos para prazos médios e longos. Como os preços variam no curto prazo, podem apresentar rendimentos negativos no início;
  • Garantias: investimentos em debêntures não têm a garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Portanto é importante avaliar com cuidado antes de entrar nesse mercado.

Onde obter mais informações?

Grande parte das debêntures têm seus preços e outros dados disponibilizados no ANBIMA Data (https://data.anbima.com.br/), que é uma base de dados pública com informações relevantes para os participantes do mercado. Para encontrar informações adicionais, acesse o site do agente fiduciário, que deve disponibilizar obrigatoriamente qualquer informação relevante no andamento do papel.

Nem todas as debêntures são ativamente negociadas. Você precisará acessar uma corretora de valores para encontrar as opções disponíveis.

O que eu devo saber antes de investir?

Caso você tenha interesse em diversificar seus investimentos com debêntures ou alguém da sua corretora/banco lhe ofereça, busque resposta para as seguintes perguntas:

  • Quais as garantias que essa debênture possui?
  • Qual o rating / risco de crédito do papel?
  • Quais as datas de pagamento de juros e amortização?
  • Caso eu precise vender antes do final, ela tem boa liquidez?
  • Essa debênture é incentivada ou tributada?
  • Qual a taxa de remuneração / rentabilidade do investimento?

É só isso? (brincadeira, sei que não é pouca coisa)

Não, não é! Porém, é o suficiente para que você possa se sentir tranquilo ao realizar um investimento. O mercado de dívida é bem amplo e quase não há limite ao que pode ser feito. Felizmente (ou infelizmente), as alternativas mais exóticas ficam restritas aos investidores mais experientes, que têm condições de avaliar melhor as relações de risco e retorno.

Invista sempre ciente dos riscos, de acordo com seu perfil e objetivos. Além disso, tenha sua reserva de emergência separada. São condições fundamentais para ser um investidor de sucesso.

Exemplo prático

Vamos dar um exemplo prático para entendermos melhor o que falamos acima. Não considere este exemplo como uma indicação de investimentos ou recomendação de qualquer tipo. Sempre consulte o seu especialista/assessor/gerente e invista conforme seu perfil de investidor e objetivos.

Usaremos a debênture SAPR10. Os dados dela podem ser encontrados no link: https://data.anbima.com.br/debentures/SAPR10/caracteristicas

  • Empresa emissora: Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar
  • Setor: Saneamento básico (Água e Esgoto)
  • Debênture Incentivada: Sim, isenta de imposto de renda
  • Remuneração de juros: IPCA + 4,657% ao ano
  • Datas de pagamento: março e setembro (ver na aba “Agenda de eventos”)
  • Data de emissão: 15/03/2020
  • Data de vencimento: 15/03/2027
  • Garantia: quirografária (sem garantia)
  • Rating: AAA (disponível no site do agente fiduciário)
  • Agente fiduciário: Pentágono S/A

Ou seja, é uma debênture incentivada (isenta de IR), com juros semestrais (março e setembro) no valor de IPCA + 4,657% ao ano, rating AAA e vencimento em março de 2027.

Sobre o autor: Ramon é especialista em Investimentos e professor de certificações. No tempo livre gosta do “combo” pizza + Netflix + sofá.

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